Desde a infância, Alberto, Bebeto para os amigos e familiares, sonhava com
aviões. Não pensava em outra coisa. Todo o menino coleciona carrinhos,
brinca de trenzinho, de bola de gude, futebol. Ele não. Só sabia brincar de
avião.
- Vamos brincar de avião. Eu sou o piloto.
- Eu quero brincar de mocinho e bandido. Você é o bandido.
- Já falei que eu sou o piloto.
- Mas não tem piloto em história de mocinho e bandido. Só bandido e mocinho.
E eu decidi: você é o bandido.
- Não quero brincar mais.
Quase não tinha amigos. Só seus aviões em miniatura. Aliás, de vários
tamanhos. Havia um que fazia um barulho igualzinho a avião de verdade.
- Escuta só, mãe.
E a mãe quase enlouquecia com o ruído ensurdecedor.
- Bebeto, vem almoçar.
- Agora, não, mãe. Estou quase decolando. Meus passageiros não podem
correr perigo. Eles precisam de mim.
- Bebeto, o que é que você quer ganhar do Papai Noel?
- Um avião.
- Mas você já tem tantos! Não quer escolher outra coisa?
- Deixa eu pensar um pouco... já sei! Um Boeing 747!
E o tempo foi passando e Alberto foi crescendo, crescendo, ficando cada vez
mais e mais próximo do seu sonho: viajar de avião. Um dia eu chego lá, dizia
aos amigos.
Formou-se engenheiro, trabalhou durante anos numa fábrica de equipamentos
hidráulicos, mas o salário era ínfimo e, nas férias, o mais longe que conseguia
ir era até a Praia Grande. De carro. E enfrentando o congestionamento da
estrada. Mas nunca desistiu do seu sonho.
- Um dia eu chego lá, repetia sempre que tinha uma chance de falar sobre o
assunto.
E, finalmente, uma ocasião, o chefe chamou Alberto. Haveria um congresso em
Recife e precisavam de alguém com conhecimento para representar a
empresa. Alberto mal podia esconder a emoção. Sua chance havia chegado.
Eles iriam mandá-lo, a serviço, para o Recife.
Naquela noite, quase não dormiu. Suava frio, a emoção era grande demais.
Levantou-se várias vezes para beber água, foi ao banheiro inúmeras outras,
chegou até a tomar banho. Gelado, para tentar se acalmar. Nada. Era
ansiedade demais para uma noite. Finalmente ouviu o galo cantar e decidiu
parar de se torturar. Levantou da cama, escovou os dentes, tomou outro
banho, morno, meia xícara de café, deu um beijo apressado na mãe e saiu.
Chegando na fábrica, olhou para o porteiro com ar de superioridade.
- Bom dia, “seu” Eduardo. Hoje estou indo para Recife. De avião. O senhor já
esteve em Recife?
O porteiro olhou para Alberto com certo desprezo e respondeu, com o sotaque
mais denunciador possível.
- Eu sou de lá, “seu” Alberto.
Dentro da fábrica, procurou a secretária do diretor, D. Paula, que já o esperava.
- Bom dia, Alberto. Então, animado com a viagem?
- Muito, muito. Não vejo a hora de embarcar. Estou realizando meu sonho de
infância.
- Ir para Recife?
- Não, não. Viajar de avião. Sabe, desde criança eu queria muito viajar de avião
e uma vez, me lembro bem, eu disse ... (e continuou contando sua linda
história, mas a secretária já não ouvia, pois olhava para ele com cara de
espanto).
- Um minutinho só, Alberto. Eu já estou com a passagem na gaveta (estava um
pouco constrangida, mas Alberto nem percebeu). Aqui está. A passagem para
Recife.
Alberto mal acreditava. Pegou a passagem e ficou olhando aquele pedaço de
papel como se fosse um tesouro.
- Obrigado, D. Paula. A senhora é fantástica, sensacional.
- Seu Alberto, o motorista do Dr. Castro vai levá-lo até ...
- O que? O motorista vai me levar até o aeroporto? Obrigado, obrigado.
Nesse instante o motorista chegou e ele saiu se despedindo, quase pulando de
alegria e cheio de si.
O percurso pela cidade foi um calvário para o motorista. Ele quase poderia
escrever um livro sobre o Alberto e seu avião, tantas foram as histórias que ele
contou sobre o seu sonho de menino. De repente, ele parou de falar.
Exatamente ao mesmo tempo em que o carro parou de andar.
Estavam num lugar conhecido de Alberto, mas ele não entendeu porque
estavam ali.
- O senhor vai comprar alguma coisa aqui? ou ... já sei ! Vai no banheiro. Tudo
bem, eu espero. Ainda é cedo, não é? Aliás, a que horas mesmo sai o avião?
- Que avião, Sr. Alberto? O Dr. Castro me pediu que deixasse o senhor aqui,
na rodoviária.
- E desde quando os aviões saem daqui? eu estou indo para Recife. De avião.
O senhor deve estar enganado. Pode ir mijar, já disse que espero. Só vou ver a
hora que o avião vai ...
Bastou olhar a passagem para perceber que havia alguma coisa muito errada
ali. ELE.
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